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PAISAGENS PARTILHADAS: CONCEITOS E MÉTODOS / PLANEJAMENTO E GESTÃO
A gestão da paisagem, uma experiência pioneira em São Paulo
Euler Sandeville

Reconhecendo o potencial paisagístico, de uso, histórico e arquitetônico da área central e preocupados com sua situação caótica, causada pela desordem visual da publicidade, dificuldade de circulação de pedestres pelo acúmulo e má localização do mobiliário urbano, duplicação de muitos equipamentos, problemas de segurança urbana e deterioração dos edifícios e monumentos de valor histórico, técnicos de diversos órgãos da Prefeitura propuseram em 1989 um programa-piloto de ordenação da área central, que se denominou Eixo Sé-Arouche. Tratava-se da implantação de uma sistemática técnica e operacional, que permitisse sua extensão a toda a área central e demonstrasse sua viabilidade para a criação de programas similares em outras áreas da cidade.

Na abordagem deste trabalho a paisagem é um todo composto por muitos fragmentos "refundidos" de muitos modos, como uma unidade formada por situações heterogêneas de configuração e significação, reconhecendo que essas especificidades qualificam cada local dotando-o de potencialidades e significados próprios. A ação deveria, portanto, integrar as diversas competências, sem perder de vista as especificidades locais do espaço público, passíveis de muitas leituras e usos. Nessa integração, não se pode deixar de levar em conta a realidade administrativa e política, bem como as oportunidades ou impossibilidades que vão se colocando ao desenvolvimento do trabalho.

A melhoria das qualidades estéticas, de "suporte de memória" e de uso pela população é obtida basicamente por um projeto de gestão (técnica e conceitualmente subsidiado no conhecimento e interpretação dessas qualidades e potencialidades). Para isso foi necessário o compromisso de total integração dos órgãos públicos, criando as condições para a coordenação dos diversos setores que atuavam desarticuladamente. A participação da sociedade, de entidades de classe, associações de moradores e usuários, de proprietários, comerciantes e empresas, era tida como indispensável ao sucesso do projeto, criando-se os canais de comunicação entre a comunidade e a administração pública, estratégia que favoreceu alguns dos melhores resultados obtidos pelo trabalho.

É possível agrupar em quatro itens principais os objetivos perseguidos na implantação do Eixo:

1- Integrar e coordenar as ações dos diversos órgãos públicos no espaço público, criando uma instância administrativa capaz de coordenar todas as ações na área, propondo projetos, gerenciando as intervenções e participação de particulares e órgãos públicos, estabelecendo uma fiscalização sistemática e supervisionada da área de atuação referente a elementos publicitários, segurança dos edifícios, bancas e ambulantes e criando um fluxo administrativo que respondesse agilmente às questões de tramitação de processos, fiscalização, pequenas obras.

2- Possibilitar o acesso à memória social e ambiental expressa nos espaços públicos, edifícios, panorâmicas, visuais, da área central, marcos de orientação e identificação na paisagem urbana, valorizando positivamente a imagem do centro e da cidade de São Paulo para a população, através de programas específicos:

a. a revisão e elaboração de nova legislação de incentivos à restauração de edifícios de interesse, o que não chegou a ocorrer;

b. projetos de recuperação e valorização de obras escultóricas, sendo talvez o caso de maior importância o restauro e nova ambientação da escultura de Vlavianos no Largo do Arouche;

c. incentivo à recuperação de edifícios de interesse arquitetônico ou de ambientação, atingindo-se também resultados interessantes com iniciativas espontâneas de alguns proprietários; contatos para atrair investimentos privados para recuperação de espaços e monumentos públicos, como no caso do Viaduto do Chá.

3- Ordenação dos elementos presentes no espaço urbano como forma de valorizar o potencial de uso, oferecendo melhores condições de segurança, informação e fruição à população definindo-se alguns programas específicos:

a. racionalizar e relocar equipamentos e mobiliários urbanos, favorecendo a fluidez dos percursos, as condições de segurança e percepção dos elementos significativos da paisagem.

b. racionalizar e disciplinar os elementos publicitários que se acumulavam sobre as fachadas e espaços públicos, muitos apresentando problemas graves de segurança, levando em conta a identidade de cada logradouro e imóveis de interesse arquitetônico, o que nos conduziu à elaboração de legislação específica para cada trecho do Eixo, porém referenciadas em uma diretriz geral.

c. racionalizar e relocar pontos e terminais de ônibus, de táxi e de estacionamento, o que foi atingido no Arouche e em parte na República, e iniciado na Patriarca, uma das principais áreas de conflito nessa questão, onde visávamos uma recuperação mais radical, redefinindo inclusive a cobertura da Galeria Prestes Maia, resgatando a panorâmica em direção ao Vale do Anhangabaú.

d. Ordenar e disciplinar as apropriações do espaço público por camelôs, bancas de frutas e outros, visando a segurança dos usuários e mesmo a fruição da paisagem nos espaços de maior fluxo de pedestre. O resultado mais expressivo obtido na época foi na Rua São Bento.

4- Estabelecer procedimentos de manutenção e fiscalização sistemática e coordenada, no que se refere à manutenção e padronização de pisos, guias, bancas, lixeiras e outros elementos, levando em conta as unidades paisagísticas. Incluiu-se aqui a otimização da limpeza e manutenção de galerias de águas pluviais, limpeza urbana e pequenas obras. Objetivou-se dar uma manutenção adequada à vegetação existente e a revisão de projetos de plantio na área do Eixo, promovendo arborização de logradouros quando conveniente e reforma de canteiros.

O Decreto 29.851/91 formalizou o Eixo Sé-Arouche e o grupo que coordenou as ações dos diversos órgãos e programas. A área do projeto foi ampliada pelo Decreto 31.620/92, passando a se constituir numa mancha abrangente do Centro (figura 1). Escolhemos duas áreas estratégicas para iniciar o projeto: o Lgo do Arouche e a Vieira de Carvalho, onde havia uma Associação de Lojistas interessada na melhoria da qualidade daquele espaço como forma de salvaguardar seu comércio das pressões que chegavam até a Pça da República. Foram feitos os levantamentos e estudos, agendaram-se reuniões com os lojistas nas quais se discutiu a nova legislação de anúncios para o local. Foi racionalizada a presença de postes e placas de sinalização e suspensa a implantação de um terminal de ônibus que já se havia iniciado no Lgo do Arouche, comprometendo a qualidade daquele espaço.

No contato com o Corpo de Bombeiros verificou-se a urgência em intervir em ruas como a S. Bento e Direita, devido aos prejuízos materiais e provavelmente de vidas em caso de incêndio. Isso antecipou a implantação do programa nessas ruas, a situação, fora a Praça da Sé, que se nos afigurava como mais complexa e delicada do Eixo. Contava o trabalho com o resultado que já era expressivo na região do Arouche, para demonstrar sua exequibilidade e, em relativamente pouco tempo, muitos comerciantes vieram a se adequar ao programa, que começou a ser implantado também em outras ruas.

Manter o Centro não se resume a uma questão de recuperar o investimento ou torná-lo novamente possível, nem em criar uma nova grande praça - a "rótula central". Cuidar do Centro não é impedir novos projetos, mas avaliá-los numa instância que gerencie a sua introdução na cidade existente. É reconhecer seu valor, tornando-o mais acessível, investindo no seu significado materializado em estruturas ambientais, discernindo as intervenções necessárias em todas as escalas, do posteamento à escultura, da rua ao edifício, da memória à modernização, do transeunte aos usos particulares do espaço público, avaliando os impactos com autonomia e mediante debates; gerenciando, enfim, um patrimônio que não nos pertence. É, em última análise, extravasar esse cuidado para o restante da cidade, reconhecendo que o acúmulo da história confere ao lugar um sentido que vai além da percepção ou uso imediato, valorizando o sentido de ser proprietário de um bem comum, como um aspecto importante da construção do exercício da cidadania.



Este texto é uma revisão muito resumida do capítulo da Dissertação de Mestrado "A Herança da Paisagem", de Sandeville Jr., FAU.USP, 1994.







Aprender entre outros, uns com os outros, para gerar ideias de ações melhores para o Século 21.
O mundo que ajudarmos a construir, sabendo disso ou não, é aquele em que viveremos.
O mundo não será diferente das atitudes que tomamos.



Animação de Euler Sandeville, provável 2001


religare ↑

espiral da sensibilidade e do conhecimento ↑



uma proposta de Euler Sandeville Jr.



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