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a natureza e o tempo (o mundo)

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SOBRE A BREVIDADE DO PRESENTE
mundos modernos     o mundo como matéria


UM MUNDO AO ACASO
Euler Sandeville Jr.
versão inicial 07/01/2016. Última atualização: 16/02/2016

como citar:
SANDEVILLE JR., Euler. “Um mundo ao acaso“. A Natureza e o Tempo (o Mundo), on line, São Paulo, 2016.


A natureza e o tempo. De que se trata?

1. tudo se move


Vivemos em um mundo de incertezas. Nada está parado, toda informação deve ser substituída rapidamente. Representações de um mundo estático já não se sustentam. O norte, usado como metáfora para o obter um direcionamento – “você precisa de um norte” – já não é tão certo. O norte magnético, para onde as bússolas apontam, já foi um instrumento fundamental de navegação e orientação. Localizado pela primeira vez em 1831, deslocamentos são registrados desde 1904 a 15 km por ano, acelerando-se a partir de 1989, e atualmente pode estar deslocando-se cerca de 60 quilômetros por ano em direção à Rússia [1]. Não apenas isso, não apenas o norte está em movimento.


Figura 1. Ilustração feita pelo geógrafo Antonio Snider-Pellegrini, em 1858 (Opening of the Atlantic Ocean), ilustrando a justaposição das margens africana e americana do Oceano Atlântico, um precursor da Teoria da Deriva Continental. Disponível em pt.wikipedia.org/wiki/Deriva_continental acesso em 12/02/2016.


Se fosse possível fixar o ponto absoluto onde você está hoje (sua casa ou seu trabalho, por exemplo), independente do movimento da Terra, e também do Sol, no ano que vem, nesse mesmo local você estaria deslocado entre 1 e 10 cm. Isso se deve ao deslocamento de placas tectônicas (que têm relação com vários fenômenos, como terremotos e, em tempos geológicos, formação de montanhas e de mares), uma proposição que começou a ser formulada a partir de meados do século XIX (Figura 1) e como teoria em 1915, pelo climatologista Alfred Wegener.


Figura 2. Deriva continental no tempo geológico e a formação dos continentes atuais. A figura seguinte ilustra possíveis implicações biológicas e evolutivas dessas mudanças.


Figura 3. Distribuição geográfica dos fósseis gondwânicos. A distribuição de fósseis terrestres idênticos em locais atualmente isolados entre si, como Austrália, Índia, África e América do Sul foi um dos argumentos de Wegener para o lançamento de sua teoria da Deriva Continental. Disponível em pt.wikipedia.org/wiki/Deriva_continental acesso em 12/02/2016.


Nem ao menos a forma da Terra permanece intocada. A imagem a que nos habituamos de uma Terra desenhada a compasso não corresponde à sua forma efetiva (se considerarmos a crosta com suas cadeias de montanhas e fossas abissais, embora se aproxime muito de um modelo esférico (como observamos nas Figuras 4 e 5):


Figura 4. Disponível em mundovestibular.com.br/articles/4258/1/A-FORMA-DA-TERRA/Paacutegina1.html acesso em 12/02/2016.


Figura 5. Capa do vídeo A Forma da Terra, vídeo. Disponível em youtube.com/watch?v=_iSwHOEgs38 acesso em 12/02/2016.


Tudo o que sabemos está sempre em transformação. E, no contexto atual, valores perenes subordinam-se a valores de mercado, introduzindo formas comportamentais muito instáveis e tentativas. Longe dos horizontes e dos ciclos do dia e da noite, do sol e das estrelas ao longo do ano, bem como ciclos e movimentos dos animais e da vegetação, a percepção da duração e das escalas em que existimos fica minimizada. O conhecimento direto decorrente dessa experiência perdeu-se para grande parte da humanidade, que hoje vive em ambientes profundamente transformados pela técnica.

Não é a transformação pela técnica a novidade, pois toda agricultura já é isso. Mas refiro- me a uma intensidade, extensão e difusão sem precedentes de um ambiente técnico, que implica em novas formas de conhecimento que são ainda muito recentes. Coisa de dois séculos, tempo irrelevante na experiência humana, capaz de alterar a natureza, e nossa ideia de mundo, de uma forma totalmente nova e dramática.


2. sabemos para onde?


Figura 6. Líder norte-coreano Kim Jong Un observa lançamento de foguete em imagem retirada da emissora krt e divulgada pela agencia Yonhap. “Oficiais militares dos EUA, Coreia do Sul e Japão afirmaram na quarta-feira que o quarto teste nuclear do Norte no dia 6 de janeiro e o lançamento no domingo do foguete representam violações diretas de resoluções da ONU e “provocações sérias contra a comunidade internacional”. em “Líder da Coreia do Norte viaja em jato particular para vistoriar lançamento de foguete, diz TV”, Disponível em noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/reuters/2016/02/11/lider-da-coreia-do-norte-viaja-em-jato-particular-para-vistoriar-lancamento-de-foguete-diz-tv.htm, acesso em 12/02/2016.


No entanto, em um clique, podemos nos comunicar com pessoas em qualquer parte do planeta, ou viajar de um continente a outro em poucas horas, com uma mobilidade sem precedentes, que quase prescinde da experiência do espaço [2], gerando uma sensação de quase instantaneidade. A nossa experiência temporal e espacial está condicionada por uma percepção imediata de objetos artificiais por nós construídos, a cidade, as paredes de edifícios e veículos, as ruas com a intensidade agressiva de estímulos de informações e ao mesmo tempo profundamente uniformizadas. Veja a luz do sol na cidade, nas paredes e superfícies metálicas ou no asfalto, e observe depois a luz através das árvores, infinitamente nuançada de cores e tons e de incontáveis profundidades e proximidades. São experiências estéticas distintas, e convidam a conhecimentos distintos.

Não se pode pensar que essas mudanças no ambiente físico não nos afetem a forma de ver o mundo. Até porque não são só mudanças no ambiente físico, são mudanças comportamentais, no trabalho, no divertimento, no consumo, profundamente imbricadas nesse universo tecnológico. A ponto de Milton Santos (1926-2001) [3] denominar esse período recente da história humana como período técnico-científico. A infraestrutura necessária para suportar esse modo de vida é extremamente complexa e envolve arranjos territoriais que atravessam histórias que são milenares, e submergem ainda hoje em disputas territoriais sangrentas, que ultrapassam, em muito, aos Estados e grupos culturais regionais envolvidos.


Figura 7. “A prioridade da Turquia é proteger seus recursos energéticos. Para tanto, a Turquia está promovendo diversos projetos de dutos, seja para gás natural ou petróleo. Quando forem concluídos, os seguintes projetos propiciarão recursos energéticos seguros tanto para a Turquia quanto para a Europa.(…) A construção do Projeto Baku-Tbilisi-Ceyhan da AOPL foi concluída em 2005. A capacidade anual desse oleoduto é de 50 milhões de toneladas de petróleo cru. Ele é reconhecido internacionalmente por seu transporte de petróleo cru do Cáspio para a região do Mediterrâneo, passando pela Turquia.” Disponível em brasilturquia.com.br/infraestrutura-e-logistica-266.html acesso em 12/02/2016.


Como fica nossa visão de natureza em um mundo pragmático, definido pelo consumo e pela produção, subordinado à utilidade, eficiência e quantidades continuamente mensuradas e aferidas, mediadas por uma tecnologia capaz de manipular hoje seus códigos básicos, do átomo ao genoma, que geram novos produtos? Tecnologia que muitas vezes decorre e se entrelaça com esforços de guerra, desde o computador até a participação da Monsanto Chemical Company, entre outras empresas, na fabricação da arma química conhecida como Agente Laranja (mistura de dois herbicidas: o 2,4-D e o 2,4,5-T) utilizado indiscriminadamente pelos Estados Unidos na guerra do Vietnã (entre 1961 a 1971, as tropas americanas aspergiram 80 milhões de litros de herbicidas). O produto, cancerígeno, resultou em doenças em crianças e até mesmo nos soldados norte-americanos, que moveram uma vultosa ação de indenização nos anos 1980 [4].


3. ela não é mais a mesma


A natureza, convenhamos, diante dessas imensas transformações, também não é mais a mesma. Ainda a olhamos no resquício de uma natureza sobretudo romântica, quando não transformada em produto (do turismo, do lazer, do setor imobiliário, da política). Não vemos o que vemos; a natureza que vemos, que imaginamos, realiza-se mais na imaginação. Hoje já é outra, e não nos damos conta ainda do que virá a ser; que perdas, ganhos e riscos isso representa, e para quem?

O projeto Gênesis, de Eduardo KAC (1999, no festival Ars Eletronica em Linz, Áustria), mostra a exacerbação das possibilidades, quase como um lúdico irresponsável, embora sofisticado, caro e elaborado, onde um gene sintético (codificação de um trecho do Velho Testamento em inglês, convertido em código Morse e deste para o “alfabeto” do DNA) foi introduzido em bactérias, as quais eram expostas à luz ultravioleta por participantes remotos via web, causava mutação no código genético. Depois da exposição, a sequência foi codificada novamente em inglês. Em 2000 o mesmo artista produz o GFP Bunny, introduzindo genes de fluorescência em células reprodutivas de uma coelha albina, de modo que sob luz azul o animal resultante emite luz verde. A discussão que se seguiu é bastante elucidativa da brincadeira, de como tudo se torna em produto e de como a vida que conhecemos está às portas de uma transformação técnica e econômica, em que, no fim, se disputa a autoria e a criação do animal resultante:


Depois de nascida, o próximo passo seria a socialização da coelhinha: Kac pretendia levá-la para morar com sua família. Mas o laboratório francês, que o auxiliou na execução do projeto, simplesmente impediu sua retirada, alegando que o artista não teria condições de cuidar do animal transgênico. O artista por sua vez, vem desenvolvendo várias manifestações em prol da “Alba livre”, como forma de mobilizar a opinião pública. No seu site, inclusive, é possível enviar e acompanhar inúmeras mensagens em prol da libertação de Alba. [5]

Figura 8. A transgenia produz um conjunto de animais modificados, inclusive na arte. O projeto Genesis, de Eduardo KAC (1999, no festival Ars Eletronica em Linz, Áustria). Disponível em ekac.org/geninfo2.html acesso em 12/02/2016.


Mas esses objetos técnicos não são novidade, desde a Dolly (primeiro mamífero a ser clonado com sucesso a partir de uma célula adulta em 1996, morreu em 2003) são criaturas da natureza produzidas por engenharia. No caso de Eduardo Kacs a brincadeira com a ética e com o sentido bíblico, evidente, mais do que explicitar um problema de discussões infinitas, oculta a função contemporânea do mercado e do artista, e a configuração do meio artístico, totalmente atrelada a sistemas de negócio. Grande difusão recebeu o Tubarão do artista inglês Damien Hirst (1965 – ). A obra, intitulada The Physical Impossibility Of Death In the Mind Of Someone Living (Impossibilidade física da morte na mente de alguém vivo), foi encomendada por Charles Saatchi em 2001 e vendido por US$ 12 milhões em 2005; devido à decomposição inevitável, o tubarão foi substituído por outro em 2006.

O próprio artista é uma criação do merchandising, inclusive em seu comportamento público, como exposto por Luciano Trigo em “A Grande Feira. Uma reação ao vale-tudo na arte contemporânea” [6], que torna o infeliz e famoso tubarão capa de seu livro. São muitas outras as polêmicas, mas agora flerta-se (experimenta-se) com a possibilidade de transmitir geneticamente as modificações decorrentes da engenharia, entre muitas possibilidades que já são fato, ou um horizonte possível [7]. De uma forma ou de outra, a própria vida e a natureza, e seu destino, estão postos em uma balança do mercado.

Mas não precisaríamos parar por aí nesses diálogos entre natureza e consumo, pela tecnologia, pela arte e pela própria arte encarada como um sistema empresarial de produção do artista. Podemos nos mover em direção oposta, no contexto da contracultura, com o artista alemão integrante do Fluxus, Joseph Beuys (1921-1986), que na obra “Eu Amo a América e a América me Ama” (EUA, 1974) o artista ficou envolvido em feltro em uma sala com um coiote durante sete dias, ou as araras tropicalistas de Hélio Oiticica (1937-1980) cuja reedição no MAM recentemente gerou enorme polêmica sobre os direitos e o respeito aos animais.


Enrolado em feltro, material que indica isolamento e preservação de calor, e deitado em uma maca, Beuys foi levado por uma ambulância, símbolo de emergência e de doença, de sua casa, em Düsseldorf, para o aeroporto. Ao chegar ao aeroporto de Nova Iorque, outra ambulância esperava por ele para levá-lo a Galeria René Block. Quando chegou à galeria, ele se libertou do feltro e começou a “viver” com um coiote selvagem que havia sido recentemente capturado para a ocasião. Uma grade separava o público do espaço em que a ação se desenvolvia. No chão, havia pedaços de feltro e feno, como também cópias do jornal TheWall Street, que eram entregues todos os dias. A ação representa o ser humano trazendo objetos e elementos de seu mundo para ocupar o espaço dos índios. Através de representações silenciosas de poder, Beuys introduz seus objetos ao coiote. O animal respondeu aos seus gestos de posse ora com agressividade, ora com submissão. Um por um, os objetos foram sendo apresentados: feltro, bengala, luvas, lanterna e, o elemento mais importante, o jornal The Wall Street. O jornal representava o poder destrutivo e persuasivo do dinheiro e da economia, vista pelo artista como uma fixação inorgânica, baseada na injustiça e nos conceitos vigentes da moderna sociedade econômica que controlava o corpo político e cultural e, assim, todo o cotidiano social. Beuys e o coiote viveram juntos por dias e muitas vezes o animal mostrava-se agressivo com o artista, que tentava persuadi-lo para torná-lo dócil. [8]

É interessante comparar, entretanto, as duas imagens seguintes (Figuras 9 e 10), não só como ilustração dessas obras, mas observando-se atentamente o comportamento dos dois animais e dos dos dois humanos no momento da foto. Em uma, o animal morto em uma pose que não se sabe se revela o terror que inspira contemplar tão de perto o que no mar seria fatal, ou o terror que sentiria o tubarão se pudesse se ver nesse momento, ou talvez no momento em que se viu dominado. Seja como for, o animal não parece ter escolha, apresenta-se indiferente ao público. Serve de fundo plácido para o artista de sucesso (uma matéria-condição essencial da qualificação das pessoas nesses tempos fúteis), em pose de gala. Em outra (Figura 10), o artista flerta com a vida e a morte, testando talvez seus limites em que pese medidas de segurança que tomou, sendo ambos, em sua experiência vital, artista e coiote (inevitavelmente incomodado com sua transformação em objeto artístico), vivos, são expostos às considerações de um público estadunidense acostumado à Disneylândia, ou à sua crítica. Uma descrição sucinta do trabalho de Beuys foi apresentada logo acima, necessária para seu melhor entendimento.


Figura 9. The Physical Impossibility Of Death In the Mind Of Someone Living (Impossibilidade física da morte na mente de alguém vivo), Damien Hirst.


Figura 10. Joseph Beuys, “Eu Amo a América e a América me Ama” (EUA, 1974). Disponível em ROSENTHAL, Dália. Joseph Beuys: o elemento material como agente social. ARS (São Paulo), São Paulo , v. 9, n. 18, p. 110-133, 2011 . Available from . access on 16 Feb. 2016. dx.doi.org/10.1590/S1678-53202011000200008.


4. percepção, duração e acontecimento


A ideia de natureza (como observa Lenoble [9], 1902-1959), não é a mesma a cada contexto histórico e geográfico. Herdeiros de longas tradições sensíveis e cognitivas, hoje nossa percepção é mais imediata, de modo que nossos conhecimentos também o são. Os dois exemplos acima, ou antes, os três exemplos, de KAC, Hirst e Beuys, mostram formas diferentes de lidar com a natureza, de inseri-la em um mundo que se pensa civilizado. Em que pesem suas diferenças significativas, sua dimensão de arte conceitual e em ação no caso de KAC e sobretudo Beyus, não seriam possíveis nem fariam qualquer sentido 100 ou mais anos antes. O imediatismo de nossa percepção vai muito além, entretanto, e configura nossos modos de relação com o mundo, as coisas, os outros. Consideremos essa dinâmica, quando olhamos por dentro dos processos de produção do e para o consumo e sua obsolescência é necessária, tanto quanto uma contínua reproposição de informações, comportamentos, formas de organização. Por exemplo, por dentro da produção de objetos que povoam nosso cotidiano, dados de mercado de 5 anos, de 2 anos, são inadequados como base para tomada de decisão gerencial, que necessita compreender os últimos movimentos em uma complexa organização do consumo e da produção, de movimentação global dos recursos a curto prazo e sua transformação em lucro, em escala de milhares.

Claro, nem tudo é imediato na produção no sentido do acontecimento. Mas mesmo processos que demandam um tempo maior de realização (inovações tecnológicas, produção do espaço) até que sejam consumidos no mercado, o pensamento que os move ainda é imediato. A incapacidade de pensar solidariamente e a longo prazo é subordinada à competitividade e ganhos simbólicos e materiais imediatos, mesmo quando se realizam em uma maior duração. Por exemplo, no espaço urbano, as transformações são igualmente rápidas quando percebidas, mas sua produção tem o tempo das finanças e das empresas que se posicionam nas tensões na disputa pelos recursos, mediadas por formas complexas que perpassam cadeias produtivas e políticas de tomada de decisão.

Você pode perceber isso, quando se vê o lento processo de transformação da região da Barra Funda em São Paulo, em ações encadeadas do poder público e do setor privado, até que uma nova paisagem rapidamente se configura, o que ainda está em processo. Lento e rápido, estou ciente de ter escrito isso, mas ainda assim imediatista. O processo é demarcado pela demolição dos 25 galpões das Indústrias Matarazzo em 1986, contemporâneo da construção da Estação Barra Funda e do Memorial da América Latina, inaugurados em 1988 e 1989 respectivamente. A Operação Urbana Água Branca é de 1995, mas seus resultados estão ainda hoje em discussão a partir de sua reedição apenas em 2013, como que aguardando em dormência o momento oportuno de eclosão.

Os recursos de representação gráfica estimulam uma cidade que quase certamente não chegará a existir, cujos apelos de uma vida feliz e em meio a árvores são pretexto para uma série de investimentos privados em novos modelos de negócio e gestão pública, incapazes de garantir sequer as imagens propostas, uma vez que o processo obedece a outras lógicas. Uma cidade que não chegará a existir, e que se chegasse a existir ainda não seria a que necessitamos. Compare-se essa ilustração do empreendimento, com a publicidade de um lançamento nas imediações da USP, para que fique claro o conjunto de apelos mobilizados, em que a panorâmica, a vegetação, a água, somam-se como indicativos de desejos de consumo privilegiados.


Figura 11. Perspectiva artística da Operação Urbana Água Branca. Disponível em revistainfra.com.br/portal/imprime.asp?secao=3&codigo=13180&edicao=Edi%C3%A7%C3%A3o%20148 acesso em 12/02/2016.


Figura 12. Imagem de propaganda de lançamento do Condomínio Horizontes Cidade Universitária (c. 2010), da Cyrella, 468 m2 privativos com possibilidade de junção e 7 vagas (valor em fevereiro de 20165: R$3.900.000,00). Acervo pessoal.


Essa duração do investimento decorre não de uma visão de longo alcance, senão de uma perspectiva empresarial, decorrentes das condições altamente competitivas de transformação do espaço em mercadoria. Essas condições são medidas em um tempo que não é o da experiência humana, mas o produtivo da “vida das organizações”, dos financiamentos, dos retornos. O mesmo está ocorrendo no Rio e em outras cidades. No “Porto Maravilha”, também uma Operação Urbana, por exemplo, a compra de CEPACS antecipa a valorização do solo que investimentos públicos e privados prometem e vão implementando, estabelecendo um retorno de longo prazo, continuado pelo domínio desses recursos. Mas nada disso pode ser entendido como uma visão de longo prazo, senão na perspectiva estritamente empresarial, posto que as condições ambientais e de vida, o equilíbrio ecológico tão propalado, o conceito e visão de cidade, a memória, se extinguem nessa dimensão do empreendimento, e os resultados indicam uma visão de curto prazo, imediatista, de retorno em um presente que se desfaz na realização do empreendimento (esgota-se em si mesmo), enquanto as formas, necessidades e os modos de apropriação são coletivos e de uma duração muito maior.


Figura 13. Entretenha-se com a animação institucional do Porto Maravilha, disponível no sítio indicado a seguir, voltada para sedução do público em geral, que nem de longe explicita a lógica de mercado de fato estabelecida. O vídeo é uma peça publicitária, sofrível por iludir a realidade que propõe. Sua animação de uma cidade sendo apagada e tingida de verde, tingida de gente feliz na rua (lembrando o famoso slogam publicitário) e vias expressas é apresentado como corolário de uma operação financeira e da construção de um cenário de modernos edifícios. Deleite-se com a música ao menos, que pelo menos a mim agrada. Ainda assim, estaremos andando por lá um dia, e pouco se lembrará de como a cidade foi se fazendo (sendo feita) assim e não de outro modo. Disponível em rio.rj.gov.br/web/secpar/porto-maravilha, acesso em 12/02/2016.


Essas imagens, visuais ou mentais, são uma forma de comunicação poderosíssima. A linguagem é mais do que a verbalização e a escrita, é a capacidade de comunicação e representação cognitiva do mundo. Contraditoriamente ao acúmulo tecnológico e científico, convivemos com uma redução e banalização da linguagem que atravessa diversas áreas da cultura, e do pensamento político, e os textos devem ser cada vez mais curtos, para a leitura e digitação rápida, construindo grandes quantidades de informação sem profundidade a um olhar distraído. Os próprios meios tecnológicos, como as redes e os comunicadores portáteis, são mais do que meras ferramentas, impactam a linguagem, a forma de organização, difusão e legitimação dos saberes, e são sem dúvida uma estratégia de educação informal e de condicionamento comportamental.

De modo que, para pensarmos a natureza hoje, precisamos pensar a persistência e superação longa de um conjunto de ideias sobre a natureza, o mundo e o tempo. Não só isso, mas como muda nossa apreciação dessa história. Como indaga o filósofo italiano Giorgio Agamben (1942- ) em “O que é contemporâneo?” (2006) [10]


Pertence verdadeiramente ao seu tempo, é verdadeiramente contemporâneo, aquele que não coincide perfeitamente com este, nem está adequado às suas pretensões e é, portanto, nesse sentido, inatual; mas, exatamente por isso, exatamente através desse deslocamento e desse anacronismo, ele é capaz, mais do que os outros, de perceber e apreender seu tempo.Mas o que vê quem vê o seu tempo, o sorriso demente do seu século?

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notas deste artigo e bibliografia citada


1. “Geólogos acreditam que a Terra tem um campo magnético porque o núcleo é formado por um centro de ferro sólido cercado por metal líquido em rápida rotação. Isso cria um “dínamo” que comanda nosso campo magnético.Os cientistas suspeitam há muito tempo que, como o núcleo fundido está em constante movimento, mudanças em seu magnetismo podem estar afetando a localização na superfície do norte magnético”. Cientistas detectam movimentação do polo norte magnético. Polo norte magnético avança em direção à Russia [4 jan 2010]. Disponível em noticias.terra.com.br/ciencia/pesquisa/cientistas-detectam-movimentacao-do-polo-norte-magnetico,4208a38790aea310VgnCLD200000bbcceb0aRCRD.html acesso em 12/02/2016.

2. SANDEVILLE JUNIOR, Euler. A paisagem natural tropical e sua apropriação para o turismo. In: Turismo e Paisagem. São Paulo : Contexto, 2002, p. 141-159.

3. SANTOS, Milton. A Natureza do Espaço. São Paulo: EDUSP, 2002. Milton Santos foi um importante geógrafo brasileiro (graduado em Direito), que exilado por 13 anos ,lecionou na Sorbonne (Paris), professor da Universidade de São Paulo. Suas contribuições no estudo da urbanização do terceiro Mundo e da Globalização, bem como seu estudo do espaço como construção social foram uma contribuição importantíssima.

4. Disponível em pt.wikipedia.org/wiki/Agente_laranja, acesso em 12/02/2016.

5. Disponível em fabiofon.com/webartenobrasil/texto_genesis2.html acesso em 12/02/2016.

6. TRIGO, Luciano. A grande Feira. Uma reação ao vale-tudo na arte contemporânea. Rio de Janeiro: Record, 2009.

7. Em minha Livre Docência, no capítulo Pesquisar é Preciso (uma reelaboração de texto inicialmente apresentado no Memorial de efetivação em 2005) discuto algumas dessas implicações, observadas no decurso de uma existência humana: SANDEVILLE JUNIOR, Euler. Paisagens partilhadas. São Paulo: Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, Livre Docência, 2010, p. 69-92.

8. ROSENTHAL, Dália. Joseph Beuys: o elemento material como agente social. ARS (São Paulo), São Paulo , v. 9, n. 18, p. 110-133, 2011 . Available from . access on 16 Feb. 2016. dx.doi.org/10.1590/S1678-53202011000200008.

9. LENOBLE, Robert. História da ideia de natureza. Lisboa, Edições 70, 1990. Lenoble foi professor de filosofia dedicado à história da ciência no Centre National de la Recherche Scientifique, o autor faleceu durante a produção do livro.

10. AGAMBEN, Giorgio. O que é o contemporâneo? e outros ensaios. Tradução Vinícius Nicastro Honesko. Chapecó: Argos, 2009.

como citar:
SANDEVILLE JR., Euler. “Um mundo ao acaso“. A Natureza e o Tempo (o Mundo), on line, São Paulo, 2016.







estudos em história da cultura, das artes e da paisagem:
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Este mundo está em guerra, embora amemos a paz




Animação de Euler Sandeville, provável 2001
gerar ideias de ações melhores para o Século 21.


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uma proposta de Euler Sandeville Jr.


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