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JEROBOÃO II: 40 ANOS DE GLÓRIA, SABEDORIA E GOVERNO HUMANOS, 2a parte


Euler Sandeville Jr,
agosto de 2016, revisão janeiro de 2018


O reinado de Jeroboão II, relatado no Livro de II Reis 14, teve a longa duração de 41 anos, embora o contexto desses acontecimentos se dê em uma duração muito maior, no ambiente mais recente do Crescente Fértil. É um pouco do que veremos neste texto. Veja também neste blog o artigo de minha autoria “Jeroboão II: 40 anos de glória, sabedoria e governo humanos, 1 parte”; nele analiso a descrição do reinado de Jeroboão II no próprio livro de II Reis 14, atentando para a lição espiritual do texto. Aqui, o objetivo será perceber a condição social sobre a qual se assentava o reinado de Jeroboão II, as escaramuças internacionais em que se inseria sua riqueza, e denúncia dos profetas dessas injustiças. Impossível ao ler não pensar, guardadas as devidas distâncias das formas e sentidos históricos e sociais, em condições de injustiça e opressão que nos são noticiadas todos os dias.

As consequências da época de Jeroboão II e seus contemporâneos os ultrapassam em muito, e podemos estender as consequências até Neemias e Esdras, depois que Israel havia sido deportado pelo Império Assírio e, depois dele, Judá deportado pelos babilônicos, retornando no Império Persa à Palestina. Do ponto de vista bíblico, deságua Profética e espiritualmente no Novo Testamento, como sugere a leitura de Amós, Oseias, Jonas, Isaías, que profetizaram naquela época. Diversas profecias nesses livros referem-se à vinda de Jesus e à consumação dos tempos, e muitas citações diretas ou indiretas são feitas a esses livros proféticos no Novo Testamento.

É preciso perceber que não só o que antecede o reinado de Jeroboão II define muito do campo no qual, ele e seus contemporâneos, elegem suas possibilidades e fazem suas escolhas. Os processos pregressos que geraram esse presente, e o campo de valores em que se estabelecem suas possibilidades de transformação ou reprodução, estavam ao alcance de seus contemporâneos. Não quer dizer que o compreendessem, ou se dispusessem a atentar, absorvidos em seus compromissos, negócios e sonhos mais imediatos. Mas, nisso, podemos nos considerar diferentes, entendendo de fato o nosso próprio tempo e seus movimentos?

Essas forças não se esgotavam no momento em que eram vividas, ou seja, nem o presente é um corte inexorável ante o futuro, nem o futuro pode ser algo que se ponha em movimento senão a partir de um percurso temporal mais amplo. É como se o presente e o passado estivessem prenhes do futuro, fossem portadores de suas possibilidades e probabilidades, que as escolhas encadeadas e em tensão vão dando-lhe forma nova a cada momento.

Jeroboão II não compreendia, ou não se importava, nem com a natureza das profundas mudanças em curso em seu tempo, nem com o sentido espiritual maior em que se desenrolava seu reinado. Tirava partido deles, sem dúvida, mas não discernia os tempos. Ele poderia ter indagado as tendências de sua época e suas ações, não fosse tão comprometido e imerso em uma visão restrita do seu presente, dos seus desejos, dos compromissos em que cada vez mais se ancorava sem indagar sua natureza e valores.

A movimentação dos reinos da época ainda não indicava um fechamento totalmente claro e muito menos inexorável, mas os profetas do século VIII AEC [1] já apontavam que se não houvesse mudanças de direção as consequências seriam drásticas. Jeroboão II, em seus 40 anos de reinado, foi próspero e eficiente do ponto de vista estritamente humano (II Reis 14.23-27), mas não compreendeu nem suas responsabilidades diante de Deus nem seu momento.

Alguns sinais externos já podiam ser notados. Na Mesopotâmia e no Nilo, havia milhares de anos, floresciam e se sucediam grandes povos e reinos de extraordinário poderio militar e organização cultural. A Palestina, no entroncamento dessas regiões férteis, era um ponto estratégico para o controle de comércio, das rotas marítimas no Mediterrâneo e o fluxo constante entre os grandes impérios e prósperas cidades até o Planalto Iraniano e além. Sua conquista trazia inúmeras vantagens estratégicas no controle das rotas comerciais, e garantia tributos indispensáveis à sustentação das monarquias daquela época.

Figura 1. Topografia do Oriente Médio. Disponível em wikiwand.com/pt/Planalto_iraniano, acesso em 18 de janeiro de 2018. Imagem extraída de upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/b/b4/Middle_East_topographic_map.png/1280px-Middle_East_topographic_map.png sem restrição de uso da imagem Creative Comons.

Figura 2. Império Assírio entre 824 e 671 EEC. Disponível em pt.wikipedia.org/wiki/Ass%C3%ADria, acesso em 18 de janeiro de 2018, sem restrição de uso da imagem Creative Comons.

Naqueles dias, a região do Tigre, atual Iraque, já havia abrigado desde o segundo ou terceiro milênios AEC importantes impérios. Na época de Jeroboão II o Império Assírio, que vivia um momento de retração, estava em vias de se reerguer de modo avassalador. A Palestina dividia-se em guerras entre reis locais como os arameus, moabitas, e outros, e entre os reinos de Israel e de Judá.

Eis outro fato cuja duração não era imediata. Israel, formado a partir de clãs e tribos e unificado por relações de parentesco arcaicas, mas também de uma longa miscigenação cultural e social com outros povos, constituíra-se como reino – juntamente com Judá – em contradição com a orientação de Deus (I Samuel 8).

Essa construção jamais havia solidificado-se plenamente, e a distribuição territorial desses clãs, mais a miscigenação com antigos moradores da terra, um intenso fluxo de mercado e de guerra entre Israel e Judá e as nações no entorno, tornavam muito complexa essa sociedade e aprofundava as diferenças. Isso antecede e se aprofunda após o breve período de um reino unido afirmado pelas Escrituras nos tempos de Saul (1025-1005 AEC), Davi (1006-966 AEC) e Salomão (966-926 AEC), constantemente sujeito a disputas regionais, no qual abria-se uma cisão irreparável. Embora a existência de um reino davídico esteja arqueologicamente atestada, correntes de historiadores céticos à narrativa bíblica colocam em questão a existência do reino unificado e sua pujança com Davi e Salomão. Quanto a Jeroboão II, que tratamos aqui, está suficientemente atestado nos documentos arqueológicos do período.

Seguindo as escrituras, o reinado de Salomão (filho de Davi) começara bem, com o jovem rei buscando a Deus e dele a orientação para seu governo. Mas, depois, à medida em que governava e tornava-se poderoso e rico, entregou-se a toda forma de impiedade; seu governo abandonou o caminho da justiça, porque seu coração abandonara a fidelidade a Deus. Na verdade, o grande rei Salomão, em toda a sua glória não percebeu sua pequenez, como esclareceu Jesus ao dizer:

Considerai como crescem os lírios do campo: eles não trabalham, nem fiam. Eu, contudo, vos afirmo que nem Salomão, em toda a sua glória, se vestiu como qualquer deles (Mateus 6.28).

Afastando-se de Deus, centralizou o reino e o serviço no Templo, construiu palácios, e cobrava pesados impostos dos moradores de Israel e Judá e de povos vizinhos (cf. I Reis 10 a 12). No fim da vida, em sua apostasia, construiu lugares de culto a outros deuses, em Judá e Samaria. Os pecados de Davi e especialmente os desvios de Salomão dos propósitos de Deus, segundo as Escrituras, foram os que deram origem a uma série de erros posteriores, sobretudo em Israel, e amplificaram a cisão Israel Judá nas gerações que se sucederam após sua morte.

Isso não é muito percebido pelos leitores da Bíblia, porque no início de seu reinado Deus concedeu-lhe sabedoria sem igual, e as pessoas, ainda hoje, como novas rainhas de Sabá (II Crônicas 9), ficam encantadas com sua sabedoria e riqueza, sem atentarem que seu reino se sustentava com tributos que oprimiam os moradores e favorecia a prostituição e toda forma de afastamento dos princípios e do conhecimento do Altíssimo. Em decorrência, cerca de 931 AEC, as tribos do norte novamente separam-se formando o reino de Israel, ficando ao sul o reino de Judá (I Reis 12). Do ponto de vista arqueológico, se a monarquia unida é colocada hoje em discussão, os dois reinos estão bastante atestados, sendo o reino do norte mais próspero e poderoso.

Os reis do norte, ainda mais do que fizera Salomão, afastaram-se da Lei Mosaica e da fé no SENHOR, oprimndo e subjugando ainda mais o povo. Jeroboão (I), que foi nomeado primeiro rei de Israel (931-909 AEC), para centralizar o poder, e evitar uma nova união com Judá, além de multiplicar os templos que Salomão já havia construído a deuses das nações ao redor nesse território, criou um culto subordinado ao rei, nomeou ele mesmo os sacerdotes, fabricou imagens de deuses, estimulando que o povo, já bastante miscigenado, se afastasse do culto exclusivo ao SENHOR.

Jeroboão edificou Siquém, na região montanhosa de Efraim, e passou a residir ali; dali edificou Penuel. Disse Jeroboão consigo: Agora, tornará o reino para a casa de Davi. Se este povo subir para fazer sacrifícios na Casa do SENHOR, em Jerusalém, o coração dele se tornará a seu senhor, a Roboão, rei de Judá; e me matarão e tornarão a ele, ao rei de Judá. Pelo que o rei, tendo tomado conselhos, fez dois bezerros de ouro; e disse ao povo: Basta de subirdes a Jerusalém; vês aqui teus deuses, ó Israel, que te fizeram subir da terra do Egito! Pôs um em Betel e o outro, em Dã (I Reis 12.25-29, referindo-se a Jeroboão I).

Passado um século e meio da separação dos dois reinos, esse abismo havia se aprofundado mais e mais. Entre 788 e 747 AEC (aproximadamente), reinava em Israel Jeroboão II e, em Judá, nesse período, Amazias (cerca de 798 a 769 AEC, 2 Rs 14.1-23 e 2 Cr 25), Ozias (cerca de 785 a 733 AEC, 2Rs 15.1-7 e 2 Cr 26).

Esses reis estiveram no poder em um período no qual a correlação de forças no Oriente Médio começava a mudar, com a acensão do Império Assírio, justamente com a coroação de Teglat-Falasar III em 745 reinando até 727 AEC, na Bíblia mencionado como Pul, referido como Pûlu como seu nome de coroação em documentos assírio-babilônicos. Teglat-Falasar III invadiu o reino de Israel durante o reinado de Manaém (c. 743-737 AEC), que assumira o reino apenas 3 anos após a morte de Jeroboão II e passou a pagar tributo ao rei assírio (2 Rs 15.19, 20). O poderoso e próspero reino de Jeroboão II logo se revelou uma quimera. Um pouco depois, apenas um quarto de século após o reinado de Jeroboão, Sargão II (r. 721–705 a.C.) conquistou o reino de Israel deportando milhares de israelitas, cumprindo-se as palavras dos profetas. Embora as pessoas céticas da nossa era contemporânea coloquem em dúvida o sentido profético, os acontecimentos narrados na Bíblia são coerentes com o que sabemos da documentação extrabíblica desses diversos povos.

Se lermos o relato bíblico, e o que se pode inferir dos conhecimentos históricos para a região no período, o reinado de Jeroboão foi marcado pela injustiça, idolatria, eficiência e presunção humanos. De modo muito semelhante, aliás, aos reinos ao redor, na Palestina, que gravitavam de longa data entre os grandes reinos do Eufrates e do Nilo.

Os profetas Amós e Oseias levantaram-se para opor-se aos desmandos, tanto no reino de Israel, quanto no de Judá. Esses livros seguem espantosamente atuais em sua denúncia e condenação da injustiça e da opressão. Transcendem seu período histórico, sem deixar de referir-se a ele, ganhando uma notável aplicação para diversos outros momentos em que a injustiça e a opressão, multiplicando a ignorância, se impõem a populações inteiras.

Não se trata aqui de propor uma leitura política característica de nosso tempo a esses profetas. No entanto, como os demais profetas bíblicos, denunciam a loucura da injustiça, os desmandos dos governantes, a opressão do povo e sua idolatria. Não são políticos no sentido contemporâneo, posto que são profundamente morais e espirituais seus ensinos. No entanto, são exatamente esses princípios fortemente éticos e sociais apresentados por esses dois profetas os que, narrados de outra forma, linguagem e contexto, sustentam o valores que justificam as democracias contemporâneas, as quais, como os reinos daqueles tempos, não os colocam em prática, escrevendo sua própria contradição e tragédia. Mesmo uma leitura rápida dos trechos indicados a seguir, do livro do profeta Amós, em complementação ao que é relatado em II Reis 14, permitiria perceber uma série de características daquele tempo:

Vinde a Betel e transgredi, a Gilgal, e multiplicai as transgressões; e, cada manhã, trazei os vossos sacrifícios e, de três em três dias, os vossos dízimos; e oferecei sacrifício de louvores do que é levedado, e apregoai ofertas voluntárias, e publicai-as, porque disso gostais, ó filhos de Israel, disse o SENHOR Deus (Amós 4.4-5).

Vós que imaginais estar longe o dia mau e fazeis chegar o trono da violência; que dormis em camas de marfim, e vos espreguiçais sobre o vosso leito, e comeis os cordeiros do rebanho e os bezerros do cevadouro; que cantais à toa ao som da lira e inventais, como Davi, instrumentos músicos para vós mesmos; que bebeis vinho em taças e vos ungis com o mais excelente óleo, mas não vos afligis com a ruína de José (Amós 6.3-6).

Ouvi isto, vós que tendes gana contra o necessitado e destruís os miseráveis da terra, dizendo: Quando passará a Festa da Lua Nova, para vendermos os cereais? E o sábado, para abrirmos os celeiros de trigo, diminuindo o efa, e aumentando o siclo, e procedendo dolosamente com balanças enganadoras, para comprarmos os pobres por dinheiro e os necessitados por um par de sandálias e vendermos o refugo do trigo? (Amós 8.4-6).

Corrupção, manipulação da justiça torcendo o direito e oprimindo o pobre, domínio econômico, adultério e prostituição, violência e arbitrariedade, manipulação da religião e sincretismo religioso para autossatisfação… Já viram algo semelhante? Não nos cansamos ainda hoje de olhar narrativas difíceis como essas, que o cinema moderno nos oferece à imaginação fazendo com que a realidade torne-se fantasia, amortecendo-nos a sensibilidade. Porém, percebamos que é a imaginação que é inspirada pela realidade, pelo vivido. De fato, houve tempos assim, e se formos ser justos, vivemos em tempos assim. Verdade transformada com exageros em fantasia, de modo que esta distraia nossa atenção, sem que precisemos sentir o amargo peso do que seria reconhecer no presente o que pensamos desprezar no passado.

Grandes nações disputavam pela diplomacia, se me permitem dizer assim, ou pela política, e pela força, territórios estratégicos para seus negócios e para o acúmulo de riquezas. Os reinos daqueles tempos tinham histórias muito diferentes, mas sem dúvida eram extremamente dinâmicas e sofisticadas as interações culturais, econômicas e políticas, que se entrecruzavam ao longo de muitas gerações. Imprimiam uma lógica de conflitos e disputas territoriais que se reescreviam em função de alianças, favores por interesses comerciais, políticos e militares, bastante fluidos e instáveis.

Golpes palacianos sucediam-se e um reino procurava interferir pela força e pela diplomacia no outro, se pudesse, colocando-lhe governos favoráveis ou vassalos, ou ainda tornando inevitáveis acordos e alianças na distribuição regional do poder. Como em muitos outros tempos, impérios e reinos se levantavam sobre outros com um poderio amparado em força militar, impondo-lhes suas formas de governo, obrigando-os a relações comerciais e tributação de subserviência, e a adotar ao menos em parte seus costumes e língua. Essas ações, em não poucos casos, trouxeram hora a um, hora a outro desses reinos, situações de grande opressão, miséria, violência, extermínio e saque das riquezas.

Ao mesmo tempo, crescia a miséria e a desigualdade, e assim a angústia e aflição no meio do povo. O que era agravado ainda mais em tempos de dominação estrangeira. Mesmo nos momentos de prosperidade dessa época, a desigualdade e a injustiça, o suborno, a violência, eram comuns por todas essas terras, como atestam as repetidas denúncias dos profetas bíblicos e evidências extrabíblicas. Internamente, cada um desses reinos procurava manter sua estrutura social, mesmo quando assimilados pela força e ou pela diplomacia.

Essa estrutura era marcadamente piramidal, com um governo centralizado e algum colégio de nobres ou conselheiros vinculados ao rei, inclusive atrelando-se em diversas formas a um clero que também tinha seus interesses próprios, como a própria Bíblia narra acerca de Israel e Judá. Não raro, esses reinos foram abalados por convulsões internas e golpes. Muitos reinos, entretanto, mantinham o poder centralizado nas mãos de uma mesma pessoa e seus grupos de suporte, por longos anos, atravessando instabilidades palacianas e externas.

Não apenas isso, naqueles tempos uma nação levava as riquezas de outra, fosse através de tributos, fosse pela força (não raro se viam populações inteiras massacradas ou movendo-se para lugares distantes, fugindo ou cativas, crianças, mulheres, doentes e velhos eram exterminados do mesmo modo que soldados), enquanto enriqueciam seus tesouros nacionais, suas instituições, sua arte e cultura e, sobretudo, sua nobreza e casas reais.

Como reagia, resistia, e se adaptava a população? Bem, primeiro temos que reconhecer que a expressão população é sempre um emaranhado mosaico de camadas sociais, de narrativas de vida, advindos dos mais diversos lugares ou já por gerações ali residentes, de crenças e convicções morais, princípios enfim, de ocupações econômicas e produtivas, de formas de relação social e afetos, de disputas de amizade, agrupamento, inimizade… constituídas, todas essas coisas, de modo muito complexo.

Os mais pobres, e muitos nesse tempo tornaram-se mais pobres, viviam em grandes dificuldades e opressão. Faltava-lhes, nos casos mais extremos, o que comer, o que negociar, o solo para plantar e assim por diante. A ler os profetas – e o que relato aqui é o que fielmente está nesses livros sagrados -, a justiça era torcida, magistrados aceitavam suborno para favorecer os mais ricos e poderosos, o justo era oprimido, o honesto expropriado de tudo e vendido como se fosse mercadoria, os caminhos do direito eram tortuosos para abrigar e ocultar os maus procedimentos, a impunidade se estabelecera, a lei não era cumprida, mulheres eram violentadas, a prostituição atravessava as famílias, crianças eram maltratadas e sofriam violência; os que se opunham eram mortos. Não é que não soubessem que essas coisas eram condenáveis e que só mais tarde a noção de direito se estabeleceu; a lei da Antiguidade colocava claramente o governante como responsável por zelar pela justiça. E a lei mosaica era particularmente exigente quanto a isso.

Assim diz o SENHOR: Por três transgressões de Israel e por quatro, não sustarei o castigo, porque os juízes vendem o justo por dinheiro e condenam o necessitado por causa de um par de sandálias. Suspiram pelo pó da terra sobre a cabeça dos pobres e pervertem o caminho dos mansos; um homem e seu pai coabitam com a mesma jovem e, assim, profanam o meu santo nome. E se deitam ao pé de qualquer altar sobre roupas empenhadas e, na casa do seu deus, bebem o vinho dos que foram multados (Amós 2.6-8).

Aborreceis na porta ao que vos repreende e abominais o que fala sinceramente. Portanto, visto que pisais o pobre e dele exigis tributo de trigo, não habitareis nas casas de pedras lavradas que tendes edificado; nem bebereis do vinho das vides desejáveis que tendes plantado. Porque sei serem muitas as vossas transgressões e graves os vossos pecados; afligis o justo, tomais suborno e rejeitais os necessitados na porta. Portanto, o que for prudente guardará, então, silêncio, porque é tempo mau (Amós 5.10-13).

Essa era a face oculta do espelho da riqueza e do poder da época. O que se via e se destacava, se valorizava, era outra coisa distinta dos valores morais a que estavam obrigados, embora os privilégios fossem previstos em uma sociedade estratificada. Os poderosos tinham ricas casas na cidade, no campo, casas de verão e inverno, palácios ajardinados, mobília luxuosa, tecidos finos e todo tipo de iguaria e desperdício à mesa. Todos esses bens não foram apenas acumulados com a indiferença às necessidades dos outros, mas torcendo-se o juízo, retirando à força do endividado, e assim por diante (Amós, Oseias, Miqueias, Isaías).

O governo havia muito atrelara os religiosos, expulsando ou isolando os que seguiam de coração à Deus, favorecendo todo tipo de hibridismo e idolatria, quase todos corriam para confiar ao adivinho e ao encantador seus problemas e decisões a cada desafio. Não havia mais critério, os costumes mais bárbaros acompanhavam essa idolatria e, a tal ponto se tornaram naturais, que já não se distinguia mais o honesto do desonesto, a Palavra de Deus dos costumes humanos e da tradição, a justiça e o direito preconizados nas Escrituras da satisfação pessoal sem limites, a feitiçaria da oração, e assim por diante.

Também aqui estou apenas seguindo literalmente o relato desses profetas. Os sábios, que orientavam os reis, e os religiosos, haviam adotado os costumes das terras ao redor, a avidez do ganho econômico, simbólico e do poder. Até o ambiente dos cultos religiosos, mesmo quando se reuniam em nome de Deus, o faziam apenas para sua própria satisfação:

Aborreço, desprezo as vossas festas e com as vossas assembleias solenes não tenho nenhum prazer. E, ainda que me ofereçais holocaustos e vossas ofertas de manjares, não me agradarei deles, nem atentarei para as ofertas pacíficas de vossos animais cevados. Afasta de mim o estrépito dos teus cânticos, porque não ouvirei as melodias das tuas liras. Antes, corra o juízo como as águas; e a justiça, como ribeiro perene. Apresentaste-me, vós, sacrifícios e ofertas de manjares no deserto por quarenta anos, ó casa de Israel? Sim, levastes Sicute, vosso rei, Quium, vossa imagem, e o vosso deus-estrela, que fizestes para vós mesmos (Amós 5.21-26).

Deus, o mesmo Deus que hoje adoramos se somos judeus e cristãos, levantou pessoas que denunciavam os descaminhos daquela sociedade, chamando os líderes e o povo ao arrependimento e à conversão. É o que lemos nos livros dos profetas Amós e Oseias, mostrando a verdadeira face do próspero reino de Jeroboão II. Infelizmente, não ouviram a Palavra que lhes era anunciuada, trazendo graves consequências para esses reinos, e adiando para um tempo muito posterior a redenção e restauração da justiça nesses lugares.

BIBLIOGRAFIA CITADA

FINKELSTEIN, Israel; SILBERMAN, Neil Asher. A bíblia não tinha razão. Tradução Tuca Magalhães. São Paulo: Girafa, 2003 [2001 The Bible unearthed: archeology’s new vision of Anciennt Israel and the origin of its sacred texts]

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NOTAS

[1] Observação: Neste texto a abreviatura AEC indica a expressão Antes da Era Comum, equivalente a Antes de Cristo, as datações seguiram FINKELSTEIN e SILBERMAN (2003). As citações bíblicas, salvo se indicado o contrário, são da tradução Almeida Revista e Ataulizada, disponível em sbb.org.br/conteudo-interativo/pesquisa-da-biblia/


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