religare: eu amo a Deus


ESCRITURAS      VIDA CRISTÃ      APRESENTAÇÃO      FEITO EM CASA


ESTUDOS NA BÍBLIA HEBRAICA (ANTIGO TESTAMENTO):

retornar ao menu da seção



ENOQUE ANDOU COM DEUS
(MISTÉRIOS E REVELAÇÕES DE ENOQUE I)


Euler Sandeville Jr, setembro de 2017


As Escrituras nos falam muito pouco de Enoque. O que dele sabemos está em apenas 6 versos, de três livros: Gênesis (5.21-24), Hebreus (11.5) e Judas (14,15). No entanto, Judas não segue o que de Enoque é relatado no Gênesis, e agrega informações vindas de outras fontes do judaísmo tardio. De fato, a vida de Enoque, contada de modo tão resumido e enigmático em Gênesis, suscitou um conjunto grande de imaginações e ensinamentos, e uma literatura apócrifa tardia, que Judas parece utilizar. Cada um desses pequenos trechos, em contextos específicos das Escrituras, nos enfatizam um aspecto da vida de Enoque, que resumirei assim: Enoque andou com Deus; Enoque: um homem de fé; Enoque: profeta do Altíssimo. Neste texto estudaremos o que de Enoque está escrito no livro do Gênesis:

Enoque viveu sessenta e cinco anos e gerou a Metusalém. Andou Enoque com Deus; e, depois que gerou a Metusalém, viveu trezentos anos; e teve filhos e filhas. Todos os dias de Enoque foram trezentos e sessenta e cinco anos. Andou Enoque com Deus e já não era, porque Deus o tomou para si. (Gênesis 5.21-24)

O capítulo 5 de Gênesis, onde se insere essa breve narrativa, destaca alguns nomes da genealogia de Adão até Noé. A escritura dessa genealogia parece estar baseada em uma fórmula rítmica, estabelecendo uma bela cadência quase musical. Basicamente a seguinte: viveu tantos anos e gerou um filho; depois que gerou esse filho viveu tantos anos e teve filhos e filhas; todos os dias de sua vida foram tantos, e morreu. Por exemplo:

Sete viveu cento e cinco anos e gerou a Enos. Depois que gerou a Enos, viveu Sete oitocentos e sete anos; e teve filhos e filhas. odos os dias de Sete foram novecentos e doze anos; e morreu (Gênesis 5.6-8).

Começando em Adão, e indo até Lameque, essa fórmula se repete, terminando sempre com a frase “e morreu” que marca essa ritmização contundente. Esse “e morreu” não é apenas um eco do pecado, o que certamente é, mas também explicita a condição finita humana, sua incapacidade de ultrapassar seu destino e o fechamento de seu ciclo. Essa fórmula é interrompida em apensas três pontos.

Primeiro, quando se anuncia o nascimento de Sete. Logo antes do trecho citado anteriormente, o texto reafirma sua continuidade com a obra inicial de Deus e sem dúvida com a condição atual de Adão: “Viveu Adão cento e trinta anos, e gerou um filho à sua semelhança, conforme a sua imagem, e lhe chamou Sete”. Por outro lado, fazendo isso coloca a referência não mais em Deus, mas na natureza humana. Esta é a marca da história humana a partir da desobediência no Éden. A seguir, a ritmação é interrompida de modo mais contundente em Enoque, no trecho que lemos acima. Por fim, também é interrompida no nascimento de Noé:

pôs-lhe o nome de Noé, dizendo: Este nos consolará dos nossos trabalhos e das fadigas de nossas mãos, nesta terra que o SENHOR amaldiçoou.

Apenas a respeito de Enoque e Noé, dentre as 10 pessoas mencionadas nessa genealogia, não se repete a fórmula final “e morreu”. Mas de Noé se dirá isso adiante, posto que as Escrituras reservam 4 capítulos (6.11 a 9.17) para a narrativa do dilúvio desde seu anúncio até seu final. Em Gênesis 9.28 vemos fechar-se o ciclo da vida de Noé: “Todos os dias de Noé foram novecentos e cinquenta anos; e morreu”.

De Enoque, ao contrário, lemos: “Todos os dias de Enoque foram trezentos e sessenta e cinco anos. Andou Enoque com Deus e já não era, porque Deus o tomou para si”. A vida de Enoque, 365 anos1, que nos parece excessiva, é bem menor que a de seus contemporâneos nessa genealogia, cuja duração média entre Adão e Noé, excluindo-se Enoque, foi de 912 anos.

É inequívoca a marcação desse cântico nessa altura. Enoque rompe a narrativa, ao ser retirado dela. Esse fato, e a antiguidade do relato, suscitaram uma vívida imaginação apocalíptica, de revelação de mistérios, em torno a Enoque. Os relatos apócrifos são recheados de revelações ocultas e de uma visão superlativa de Enoque.

Nem por isso precisamos idealizar Enoque em sua humanidade, nem as Escrituras no autorizam a fazê-lo, apesar do extraordinário de seu arrebatamento. Se observarmos a vida de Elias, de quem as Escrituras também nos dizem que foi arrebatado por Deus, veremos que Elias era um homem sujeito às suas ansiedades, inseguranças e dúvidas, vivendo em obediência e intimidade com Deus.

Tanto não devemos fazê-lo que há na modulação dessa genealogia de Sete, interrompida parcialmente em Enoque, uma outra característica importante. Enoque foi um homem comum, não sabemos sua ocupação, mas sabemos que casou-se e teve vários filhos e filhas. É nessa marcação da vida de todo homem que se ressalta o andar com Deus de Enoque.

Se levarmos em conta a narrativa dos 4 capítulos entre Gênesis 4.1 e 7.16, que contam desse mundo antes do dilúvio, perceberemos que se multiplicava a maldade humana. As consequências do pecado mostravam rapidamente sua extensão. Vai ficando claro que não se tratava apenas de saborear um fruto ou de obter um conhecimento velado; as implicações do ato de Adão eram devastadoras em sua natureza.

O pecado consumia a própria humanidade, e esse ardor cada vez mais egoísta e sem temor a Deus deixava esses primeiros descendentes humanos cada vez mais distantes de um caminho que tivesse alguma esperança. Não é à toa que dos descendentes de Caim são mencionadas as ocupações. Obviamente, não se pensa que os descendentes de Sete não as tivessem. Caim e Abel tinham suas ocupações, mas enquanto Abel se voltava para Deus, o coração de Caim se ocupava com as coisas imediatas. Aos descendentes de Caim, que seguem por seu caminho, restam suas ocupações; dos descendentes de Sete, que teriam suas ocupações, interessam aqueles que guardam o testemunho do Senhor.

Esses capítulos iniciais (4 a 7) nos falam de tempos que são misteriosos, que escapam ao que esperamos, que antecedem à organização do mundo que conhecemos. Há dois momentos extraordinários. Um, em que a obediência de um homem que andava com Deus trará salvação à humanidade, prenunciando o evangelho de Jesus, outro em que um homem que andava com Deus é retirado. Daí talvez o interesse por Enoque, nesse tempo de mistério, pois também a própria vida humana está envolta em mistério e no convite à piedade, que talvez nosso mundo enraizado na ilusão da matéria a tenha perdido, e com ela maravilhar-se diante da vida. Segundo o Livro dos Segredos de Enoque (61.4,5)

Durante sua vida, o homem vê sua própria natureza como algo velado, obscuro, e assim também o são sua concepção, nascimento e despedida desta vida. Na mesma hora em que ele é concebido, ele nasce, e naquela mesma hora também morre.

A Bíblia nesse momento não explica o sentido desse não estar mais de Enoque. Fica como um mistério, mas por gerações se discutiu seu significado. O fato é que, se esse período permanece enigmático como no relato de Enoque e Noé, seus ensinamentos nas Escrituras são totalmente claros. No meio de uma geração perversa algumas pessoas andaram com Deus, anunciaram sua justiça, o amaram e experimentaram seu amor.

Este foi o contexto em que viveu Enoque. No decorrer da vida dessas primeiras gerações humanas, tanto os descendentes de Caim, quanto os de Sete, com poucas exceções, e de outros filhos de Adão e de seus descendentes que são apenas indicados como filhos e filhas, vão se corrompendo no decorrer de suas vidas. Não seria necessário discorrer sobre todos, e a Bíblia não o faz; o caminho da obediência e do temor a Deus, e o caminho da maldade e do esquecimento de Deus estão claramente apresentados.

Em tal contexto, de maldade íntima, andar com Deus é algo extraordinário, e certamente traria aflição aos que assim caminhavam diante da injustiça e da opressão que se via e sentia. Possivelmente pessoas como Enoque e Noé, como também Abel, fossem antagonizadas em seu desejo de justiça, menosprezadas por sua insistência na Palavra de Deus, que se tornara inconveniente naqueles tempos. Por isso, também o livro aos Hebreus, ao tratar da fé, começa por esses três homens.

 

 




TRADUÇÕES DAS ESCRITURAS UTILIZADAS

BÍBLIA DE JERUSALÉM. 1a. Edição, 11a. Reimpressão. São Paulo: Paulus, 2016.

BÍBLIA. Edição Almeida Revisada E Corrigida. Sociedade Bíblica Do Brasil, on line, São Paulo, s/d. Disponível em http://www.sbb.org.br/conteudo-interativo/pesquisa-da-biblia/ acesso entre 09 de setembro e 02 de outubro de 2017.




NOTAS

1 Também podemos perceber que sua vida, devido ao arrebatamento, foi consideravelmente mais curta do que a de seus conterrâneos, mas ainda assim faz uma referência a um ciclo natural completo. Digo isso não pelo número de anos, mas pelo fato de que viveu e gerou seus descendentes. A Bíblia de Jerusalém entende que “sua vida é mais breve, mas atinge um número perfeito, o número dos dias de um ano solar”. Embora haja a possibilidade dessa relação, nada no contexto nem na vida de Enoque me parece exigir que se entenda assim. Nesse sentido, mais do que uma associação entre a vida de Noé e os ciclos cósmicos, o que se busca é uma relação entre Noé e Deus.


retornar ao início da página

retornar ao menu da seção

Escrituras      vida cristã      apresentação      vídeos







contato

uma proposta de Euler Sandeville Jr.






^ retornar ao início da página
contato ↑
licença ↑


A perspectiva deste sítio é bíblica. Aqui você encontrará estudos e meditações no texto bíblico e seus ensinos e sobre a vida pessoal na busca por Deus diante de um mundo em rápida mudança.
O sítio não foi pensado para responder a questões de natureza científica nem a necessidades de aconselhamento pastoral ou psicológico, todas essas coisas importantes e que contam com seus locais próprios de discussão e ensino.