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ESTUDOS NA BÍBLIA HEBRAICA (ANTIGO TESTAMENTO):

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O CONHECIMENTO DO BEM E DO MAL E A FUGA DA PRESENÇA DE DEUS. ESTUDO EM GÊNESIS 3


Euler Sandeville Jr, 19 de janeiro de 2018


O capítulo 1 de Gênesis nos conta a criação de tudo o que existe, e que era tudo perfeito, bem como o papel do homem nessa criação. O capítulo 2 detalha a criação do homem e a comunhão que havia entre o homem e a mulher com Deus. Porém, algo aconteceu, rompendo essa harmonia e esse propósito do homem ser cuidador e de zelar pelo mundo criado por Deus, como tão evidentemente nós mesmos continuamos a demonstrar em nossa própria geração.

O terceiro capítulo do livro de Gênesis, do qual trataremos aqui, nos conta o episódio mais trágico e triste dessa criação, e que ainda não terminou. Sim, ainda não terminou. O capítulo 3 explica a origem dos problemas humanos e, em grande medida, sua natureza e os processos pelos quais se estabelecem. Em decorrência, do capítulo 4 em diante, por toda a Bíblia, lemos os desdobramentos da desobediência humana, a luta espiritual e moral em que ocorre a nossa existência, as ações de juízo e salvação de Deus desde então e ao longo da história humana, até a consumação de tudo, no livro de Apocalipse.

Naquele mundo original havia uma árvore da vida, cujo fruto produz cura e vida, e uma do conhecimento do bem e do mal, cujo fruto gera a morte. Essa segunda, tão peculiar e diferente de tudo o mais que havia colocado o SENHOR Deus ali, era, em toda a criação, a única interdição ao homem. Que tipo de árvore seria essa, capaz de tão trágicos efeitos?

A primeira coisa que temos que perceber é que, sob muitos pontos de vista, em sua aparência, esta árvore tinha aspectos parecidos com as outras. Como as outras árvores, tal como consta em Gênesis 1 e 2, esta também era agradável aos olhos e ao paladar.

Vendo a mulher que a árvore era boa (טוֹב֩ ṭō-wḇ) para se comer, agradável ( תַֽאֲוָה־ ṯa-’ă-wāh-) aos olhos e árvore desejável (וְנֶחְמָ֤ד wə-neḥ-māḏ) para dar entendimento, tomou-lhe do fruto e comeu e deu também ao marido, e ele comeu (Gênesis 3.6).

Porém, se esta era agradável e saborosa, e também o eram as demais. As pessoas ainda veneram tanto essa única árvore que não se apercebem disso, leem como se essa característica fosse peculiar ao bem e ao mal ou, mais especificamente, ao mal. O problema que leva Eva a experimentá-la não estava aí, embora isso a tenha atraído. É certo o que estou dizendo? Vejamos como está em Gênesis 2, ao falar das demais árvores:

E o YHWH Deus fez brotar da terra toda qualidade de árvores agradáveis (neḥ-māḏ) à vista e boas (wə-ṭō-wḇ) para comida, bem como a árvore da vida no meio do jardim, e a árvore do conhecimento do bem e do mal (Gênesis 2.9, BJ).


as árvores do jardim eram: a árvore do conhecimento do bem e do mal era:
agradáveis (neḥ-māḏ נֶחְמָ֥ד) desejável (wə-neḥ-māḏ וְנֶחְמָ֤ד)
boas (wə-ṭō-wḇ וְט֣וֹב) boa (ṭō-wḇ טוֹב֩)

Como vemos, as palavras hebraicas são as mesmas, e onde está traduzido por agradável nas árvores do jardim temos desejável na do conhecimento do bem e do mal. Mas é a mesma palavra, assim, as duas ideias são pertinentes. A mesma coisa onde lemos boas. Apenas na árvore do conhecimento do bem e do mal aparece mais uma qualidade, traduzida por agradável ( תַֽאֲוָה־ ṯa-’ă-wāh-). Esta também pode ser traduzida por desejável. É assim que ocorre em Números 11.4 (“E o populacho que estava no meio deles veio a ter grande desejo das comidas dos egípcios; pelo que os filhos de Israel tornaram a chorar e também disseram: Quem nos dará carne a comer?”), em Jó 33.20 como apetecível (“de modo que a sua vida abomina o pão, e a sua alma, a comida apetecível.”), como cobiça em Salmo 106.14 (“entregaram-se à cobiça, no deserto; e tentaram a Deus na solidão”), em Provérbios 13.12 como desejo (“A esperança que se adia faz adoecer o coração, mas o desejo cumprido é árvore de vida”).

Se em números e no Salmo 106 a conotação de ṯa·’ă·wāh- é negativa, em Jó e em Provérbios 13 é até mesmo positiva. Este último é particularmente interessante para o que tratamos aqui. Em Provérbios 13 o desejo satisfeito (ta-’ă-wāh תַּאֲוָ֥ה) é comparado à árvore da vida. É como ocorre novamente em Provérbios 13.19 (‘O desejo que se cumpre agrada a alma, mas apartar-se do mal é abominável para os insensatos”). É o nosso preconceito com o que é agradável e desejável que vê essas possibilidades apenas em conexão com o mal. Portanto, não é no ser desejável e agradável que está o mal, já que toda a criação o era! Aliás, é assim que começa a criação: “Disse Deus: Haja luz; e houve luz. E viu Deus que a luz era boa (ṭō-wḇ ט֑וֹב ) ; e fez separação entre a luz e as trevas” (Gênesis 1.3,4). É a mesma palavra que está em Gênesis 2.9 e 3.6.

Em Gênesis 3.6 citado acima vemos que algo mais atraiu o olhar de Eva. Ela entendeu que seu fruto era desejável para dar conhecimento. Não chamava-se justamente árvore do conhecimento do bem e do mal? Estaria então no obter conhecimento o problema? Mas será de fato que entendemos essa designação da árvore? Veremos também que não é no conhecimento, em si, que está o problema. Aliás, o homem já tinha conhecimento, basta recordar que no capítulo anterior

Deu nome o homem a todos os animais domésticos, às aves dos céus e a todos os animais selváticos (Gênesis 2.20).

Não se tratava apenas de conhecimento, portanto, como tantas vezes vamos ouvir dizer que Deus havia proibido ao homem o conhecimento. Ainda mais em séculos muito recentes, sobretudo desde o XVIII, quando há uma oposição política e cognitiva entre a ciência nascente e os dogmas religiosos de então, debate que persiste e ainda hoje traz seus frutos difíceis.

Vemos que não era nem uma interdição ao prazer nem ao conhecimento. Em Gênesis 2.20 o homem revelou na verdade uma notável capacidade de discernimento e conhecimento, ao nomear todos os animais e árvores do jardim pelo qual deveria zelar. Portanto, foi necessário até aqui desfazer dois mal entendidos:

1. De que era o sabor e a beleza o que atraíram Eva, sendo portanto essas coisas condenadas pela Bíblia. Vimos que nada é mais sem fundamento do que isso, pois toda a criação, inclusive essa árvore, são reiteradamente apresentadas com essas mesmas qualidades nos dois capítulos iniciais. Não sei de onde vem a ideia de que o mal traria prazer, como tantas vezes ouvimos e já demonstrei acima que não se tratava disso.

2. Que há uma objeção à especulação intelectual, que Deus havia interditado ao homem o exercício de sua inteligência, mantendo-o em um estado de inocência ou ignorância. Na verdade, se lermos o inicio do capítulo 3, veremos que este já era o argumento da serpente. Nada mais contrário à Bíblia, como vimos, já que esse homem havia demonstrado uma refinada capacidade intelectual, proposta por Deus.

Desfeito estes mal entendidos, podemos argumentar que o problema estaria no impedimento, por Deus, ao homem de conhecer o bem e o mal. Uma leitura atenta mostrará que mais este equívoco é infundado. Todo bem vem de Deus, e todas as coisas criadas eram boas. De fato, se o homem conhecia a Deus e falavam abertamente entre si, se era capaz de conhecer as coisas criadas que eram boas e agradáveis, não resta dúvida de que o homem, tal como criado por Deus, conhecia o bem.

Na natureza criada, havia uma dinâmica perfeita, da luz e da treva, da noite e do dia, dos animais nos oceanos e por toda a terra, das plantas, e uma capacidade de conhecer a tudo isso que nos foi confiada. Mais, não só conhecer, mas sermos responsáveis por sua manutenção e desenvolvimento, ao cultivá-lo e zelar por ela demonstrando cognição e afeto (Gn 1.26-31; 2.16).

O que havia de excepcional, mesmo considerando formas de plantas e animais que hoje não imaginamos que deixaram de existir, é que havia duas árvores distintas de todas as outras. Não porque fossem menos ou mais belas e saborosas, mas porque afetavam toda a ordem criada. Essas duas árvores, lendo em Gênesis e em Apocalipse onde apenas a árvore da vida é mencionada, existiam em uma realidade que perdemos, da qual fomos separados.

A expulsão do jardim, consequência da ação humana narrada em Gênesis 3 e a interdição com um ser celestial, indicam algo muito importante. Indicam que até o momento de Adão e Eva se afastarem de Deus não havia a separação, a inviolabilidade entre o mundo criado, o cosmo, e o mundo espiritual. A presença contínua de Deus, a existência das duas árvores, a presença da ardilosa serpente naquele lugar, convivendo com toda sorte de águas e tesouros e coisas belas, de formas de vida e da consciência humana, estavam ali para nos demonstrar isso.

Bem, se o problema não estava na beleza e na satisfação, não estava na capacidade de conhecer, nem no conhecimento do bem, estaria então em conhecer o mal? Sim e não, porque hoje conhecer é quase estar ciente, mas na sabedoria antiga conhecer é também o envolvimento prático. A primeira coisa a se perceber é que o mal também não lhes era oculto. E não nos é oculto, podemos dizer. Quando o SENHOR diz a Adão que a árvore chama-se do conhecimento do bem e do mal, e lhe avisa que se dela provar morrerá, o mal lhe está posto à vista.

Não há qualquer convite da parte de Deus para que o prove, ou indução divina para lançar o cosmo sob influência da morte. Ao contrário, o que vemos da parte de Deus para com o homem neste momento é zelo e cuidado, afeto e franqueza, sem lhe suprimir a identidade e a capacidade de discernir e escolher. Além disso, a árvore da vida não lhe estava interditada, mas as coisas se precipitaram de outro modo.

Em decorrência da ação ardilosa da velha serpente, que também podia estar ali, mostrando que o mal não nos fora escondido por Deus, e das decisões que a humanidade tomou em Adão e Eva, e desde então vem repetindo, uma ruptura e interdição se estabeleceu entre o mundo espiritual e o material, com o afastamento do homem da presença de Deus.

E por que? Porque o homem, feito à imagem de Deus, conhecedor do que era bom e com uma posição importante nessa nova (naquele momento) criação, trouxe para dentro de si o mal. Ele já tinha o bem em si, mas a partir de agora tem que conviver com o mal. Não é assim que Caim e Abel, e todas as gerações se dividem até Noé?

Mas Deus é o bem, é a vida, como nos diz Tiago, nele não há sombra alguma. Daí porque estamos afastados de sua presença, porque sua santidade é incompatível com o mal e, havendo o mal e a morte em nós, não subsistiríamos diante de sua santidade e perfeição além de nosso entendimento e compreensão. O problema em Gênesis 3 não era nem mesmo o discernimento do bem e do mal; aliás, este discernimento estava proposto a Adão. O problema era ele comer, vivenciar o mal, conhecer em si mesmo o mal, pervertendo toda a criação e sua própria criação à imagem de deus, onde não há mal nem sombra alguma. Esse conhecer pro provar, por trazer para dentro de si o mal, colocou Adão e Eva, e tem colocado cada um de nós, em uma condição de afastamento da presença de Deus; Com o mal agora em seu ser, em seu coração, vemos que, logo em seguida ao comer a fruta:

Quando ouviram a voz do SENHOR Deus, que andava no jardim pela viração do dia, esconderam-se da presença do SENHOR Deus, o homem e sua mulher, por entre as árvores do jardim. (Gênesis 3.8)

Desde então os seres humanos veem se escondendo de Deus, entre as coisas criadas, entre aquelas que lhe foram colocadas para sua satisfação e existência. Cada vez mais, ao lermos o relato de Gênesis e do restante da Bíblia, vemos que a humanidade vai discernindo com menor clareza o Criador e prendendo-se nas coisas criadas. Não só esconderam-se entre as árvores do jardim, antes mesmo de ouvir a voz do Senhor (Gênesis 3.8), tentaram por seu próprio engenho (Gênesis 3.7) produzir a salvação de seu erro:

Abriram-se, então, os olhos de ambos; e, percebendo que estavam nus, coseram folhas de figueira e fizeram cintas para si. (Gênesis 3.7)

Esse encobrimento da nudez tem sido tratado como vergonha. mas não é isso o que está dito aí. Essa inferência não é válida. Adão tentou corrigir, disfarçar o erro por sua própria força. Tanto é assim, que quando Deus o chama ele diz “Ele respondeu: Ouvi a tua voz no jardim, e, porque estava nu, tive medo, e me escondi” (Gênesis 3.10). E a seguir, tentando ainda livrar-se da responsabilidade, acusa que a mulher lhe havia dado de comer e esta acusa a serpente. Estão tentando se justificar diante de deus ocultando o que foi feito:

1. pelo próprio engenho e discernimento,

2. ocultando-se de Deus nas coisas criadas,

3. negando a culpa e atribuindo o erro a outro e ao próprio Deus: “Então, disse o homem: A mulher que me deste por esposa, ela me deu da árvore, e eu comi.”.

É o que vamos vendo na ação humana por toda a Bíblia, até hoje, o que, obviamente, leva a resultados cada vez mais distantes de Deus e piores:

Disse Caim a Abel, seu irmão: Vamos ao campo. Estando eles no campo, sucedeu que se levantou Caim contra Abel, seu irmão, e o matou. Disse o SENHOR a Caim: Onde está Abel, teu irmão? Ele respondeu: Não sei; acaso, sou eu tutor de meu irmão? (Gênesis 4.8,9).

Mas a Bíblia também nos mostra a ação de Deus convidando os homens novamente à justiça, ao amor, à salvação. Porém, cada vez mais, como Adão, o que nos chama atenção é o medo da voz de Deus procurando por nós, e cada vez mais nos distraímos no murmúrio das folhas entre as quais nos escondemos e nos comprazemos com as toscas obras que fazemos, como Adão, para nos prover justiça pessoal e as necessidades nesse mundo magnífico que nos foi confiado. Esse barulho e atração das árvores do jardim, do nosso trabalho produzindo vestes e logo cidades imensas, nos impede não apenas de ouvir, mas de reconhecer o Criador, embrenhados que estamos com as coisas criadas e com nosso intenso trabalho sem direção e sem discernimento da bondade do Criador.


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